Regulamentação entrou em vigor há exatamente um ano, dias depois do início da pandemia; franqueadores podem aproveitar momento para rever o próprio negócio
O ano de 2020 foi especialmente desafiador para as redes de franquias brasileiras. Além da pandemia, que fechou lojas, shoppings e escolas por meses a fio e fez com que o setor encolhesse cerca de 10%, ainda precisaram se mobilizar internamente para se adequar à nova lei que passou a regulamentar o setor e entrou em vigência há exatamente um ano, em 26 de março – dias depois do início da quarentena mais rígida.A lei atual substituiu a anterior, de 1994, e o grande destaque é a exigência de uma maior transparência na Circular de Oferta de Franquia (COF), que é o documento entregue ao candidato à franquia com todo o detalhamento do modelo de negócio, antes da assinatura de qualquer tipo de contrato.
Agora, devem ser revelados os contatos de todos os franqueados atuais e dos que deixaram a marca nos últimos 24 meses, especificações de eventuais regras de concorrência entre unidades próprias e franquias, existência de cota mínima de compras, hipóteses de aplicação de multas e outras informações. Antes, isso tudo constava apenas no contrato de franquia, quando o candidato estava praticamente com a caneta na mão.
Thaís Kurita, sócia do escritório Novoa Prado Advogados, conta que muitas redes viram o detalhamento de informações como a aplicação de multas, por exemplo, como um fator “anti-venda”, que poderia assustar os candidatos. “Tudo isso trouxe mais transparência e, portanto, revelou o que muitos gostariam de deixar oculto. Enfim, ganho para o sistema”, afirma.
A sócia de Kurita, Melitha Novoa Prado, ressalta que a lei anterior (8.955/94) fez com que o sistema crescesse de forma estruturada no país e ainda serviu de modelo para outros mercados que também trabalham com o sistema de franquias, mas alguns aspectos eram impossíveis de terem sido previstos na ocasião, o que justifica a repaginação.
Um deles é o conceito de territorialidade, que determina o espaço físico permitido para que o franqueado fature – tema ainda polêmico, quando considerada a falta de fronteiras nas vendas digitais.A especialista comenta que o assunto deve continuar a ser discutido, considerando as opções de multicanalidade, que ganharam mais tração em 2020. “Ainda é tudo muito novo, mas pense na cláusula de não-concorrência para o mundo digital: seria permitido vedar a concorrência em todo o mundo, já que na internet tanto faz se o negócio está no Japão ou no Brasil?”Existe também o caráter de autorizações excepcionais feitas pelas franqueadoras durante a pandemia. Algumas, que passam a fazer parte do modelo de negócio, como dark kitchen, vendas por WhatsApp e aulas on-line, por exemplo, devem entrar na COF, de acordo com Sidnei Amendoeira Jr, diretor jurídico da Associação Brasileira de Franchising (ABF). Outras medidas emergenciais, e que não serão permanentes, não precisam constar no documento, mas o franqueador deve emitir uma circular informando o caráter temporário da ação ou, ainda, investir em um aditivo de contrato.
Amendoeira acredita que a combinação entre pandemia e adequação à lei fez com que as redes olhassem com mais cuidado para os próprios processos e, principalmente, o que era divulgado antes na COF e também nos contratos. “Obrigou todo mundo a entrar em um processo de reflexão. Muitos passaram a perceber coisas que antes não olhavam tão atentamente.”
Uma dessas reflexões é a participação do e-commerce no jogo da marca: faz parte do faturamento das franquias? É um canal relevante e que pode concorrer com as unidades físicas? A lei não pede, necessariamente, que os contratos sejam modificados. O maior foco é a COF. No entanto, Amendoeira comenta que as marcas também aproveitaram o período para revisar os documentos ainda vigentes.Thaís Kurita, do Novoa Prado Advogados, acredita que um dos maiores ganhos da nova lei de franquias foi a possibilidade de empreendedores estruturarem negócios por outros modelos de gestão, não necessariamente o franchising. De acordo com ela, a lei anterior determinava que tudo que tivesse uma marca em comum na fachada deveria ser entendido como uma franquia, pois assim era necessário no contexto quando foi criada.“Com o passar do tempo, o efeito perverso foi o de colocar aqueles que detêm maciço know-how junto daqueles que não o possuem, e, como consequência, tendo muitos franqueados lesados porque intuíram que se é franquia, tem know-how”, explica.
Agora, para se tornar uma franqueadora, a empresa precisa necessariamente transferir conhecimento sobre a operação do negócio. Outras empresas que não tenham essa característica podem buscar modelos alternativos, como o licenciamento.
Mesmo com os desafios impostos pela pandemia, a advogada especialista Mônica Villani recomenda que os franqueadores deem especial atenção às atualizações necessárias para que as empresas se enquadrem na nova lei. “O descumprimento acarretará risco à existência do negócio, já que o franqueado poderá exigir a nulidade ou a anulabilidade da contratação, com a consequente devolução de valores investidos”, alerta. Villani ainda reforça que a reincidência pode trazer, além de prejuízos financeiros, danos de imagem e reputação à marca.O legado desse período inspirou as redes a pensarem em modelos menos rígidos de parceria, segundo a especialista Andrea Oricchio, sócia do Andrea Oricchio Advogados “Não cabe mais inflexibilidade nessa nova fase do franchising, onde as redes são mais colaborativas e franqueador e franqueados têm que trabalhar mesmo em parceria nos novos modelos de operação. Muita coisa ainda está por vir – pick up store (comprar na internet e retirar na loja) é uma delas”, comenta.
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